Relatos abordam ações latino-americanas nas escolas, na mídia e no Terceiro Setor

Por Felipe Saldanha

Entre as práticas de Educação Midiática, e mais especificamente as educomunicativas, ocupam lugar especial aquelas voltadas para a formação do cidadão e do profissional da área, que podem estruturar-se tanto no espaço do ensino formal e escolar quanto nos movimentos sociais e nos meios de comunicação. Representantes dessas práticas na América Latina estiveram presentes em duas mesas-redondas que aconteceram na manhã do dia 14/11, último dia do II Congresso Internacional de Comunicação e Educação.

A primeira mesa (foto abaixo) foi conduzida por Rosane Rosa, professora da Universidade Federal de Santa Maria, que desenvolve pesquisas sobre Educomunicação e Cidadania, entre outros temas. Ela afirmou sentir-se à vontade para mediar o debate em função de sua longa atuação com comunicação comunitária. Citando a professora Cicilia Peruzzo, uma das maiores referências nessa área – e que estava presente ao evento –, Rosa menciona que entre as principais características do campo está justamente “a educação, ser uma comunicação educativa”.

João Alegria, roteirista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e diretor do Canal Futura, abriu os trabalhos justificando-se por não ter preparado slides: “Os tempos atuais são de apagar os ‘PowerPoints’, acender as luzes, olhar pelas janelas e construir diálogos, como nos ensinam as boas práticas da educomunicação”, disse, sob aplausos. Sua fala apresentou os legados e experiências da emissora, que hoje se define como um conjunto de soluções digitais em uma estrutura multiplataforma e interativa, acessível tanto pela televisão quanto pela internet.

Segundo Alegria, os valores do Futura estão ligados à educação integral, com compromisso social e integração da escola às ações que vão além do currículo e extrapolam o aprendizado de português e matemática. “Nós trabalharemos fortemente para uma alfabetização plena, em múltiplas linguagens, tentando contribuir para que jovens e educadores possam expressar-se das mais diferentes formas, com grande competência e fluência, seja em código computacional, seja em linguagem audiovisual, de modo a se tornarem cada vez mais agentes de um novo mundo que virá”.

Quem falou na sequência foi o bacharel em Humanidades pela Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e ex-secretário geral da Rede de Crianças e Jovens Jornalistas da Guiné Bissau, Ró Gilberto Gomes Cá. Ele apresentou o contexto social e histórico do seu país – baseando-se, para isso, na obra do intelectual senegalês Cheikh Anta Diop – e explicou que o coletivo, fundado em 2004 com apoio da Unicef, utiliza a linguagem radiofônica para divulgar os direitos da criança.

Ró também enumerou algumas conquistas da Rede junto a outras instituições locais, como o comprometimento dos candidatos à eleição com as questões infantis e a aprovação de uma lei que proíbe a circuncisão feminina. O jovem conta ainda que o contato do projeto com o conceito de Educomunicação se deu por meio de Maria Rehder, jornalista e atual vice-presidente da ABPEducom, que trabalhou para a Unicef na Guiné-Bissau.

Fechando a primeira mesa, Alma Montoya Chavarriaga, da Colômbia, especialista em Comunicação e Desenvolvimento e diretora do Grupo ComunicArte, contou aos presentes sobre a experiência de articulação entre rádios comunitárias – obrigatórias em todos os municípios do país – e rádios escolares da cidade de Arauquita. Segundo a comunicadora, a região, predominantemente rural e próxima à fronteira com a Venezuela, sofre com a presença de guerrilheiros. Por isso, o objetivo do projeto, que oferece formação em rádio e outras linguagens tanto para os alunos quanto para os demais membros da comunidade, é a construção de uma cultura de convivência e paz: “Portanto, temos que trabalhar com um objetivo primeiro: levantar, criar, despertar os sonhos destes jovens, dar outra possibilidade de vida diferente das armas e dos uniformes”.

A segunda mesa (foto acima), por sua vez, foi conduzida pela professora Maria Cristina Palma Mungioli, chefe do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP. O primeiro a se apresentar foi Carlos Alberto Ferraro, docente da Universidad del Salvador (Argentina) e presidente da Associação Católica Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (SIGNIS ALC) e da RedEducom, um projeto de articulação da Educomunicação nessa região. Ele afirma que o objetivo dessa última instituição é promover conexões com iniciativas que tenham interesse em integrar-se ao novo campo com responsabilidade e consistência teórica, incentivando o diálogo crítico. Ainda segundo Ferraro, todas as ações da rede possuem um pensamento nuclear baseado em Paulo Freire.

Em seguida, a professora Raíja de Almeida, ex-coordenadora e uma das fundadoras do Bacharelado em Comunicação Social com linha de formação em Educomunicação da Universidade Federal de Campina Grande – a primeira graduação com este nome no Brasil, criada em 2009 –, falou sobre os desafios enfrentados pelo curso e o perfil do egresso. Almeida diz que a formação é voltada para gestores e empreendedores e busca promover uma visão crítica e ampla, de forma que os alunos se destaquem no meio profissional e acadêmico, seja em escolas, ONGs, veículos de mídia ou órgãos públicos. Ela também mencionou a articulação recente da Rede de Educomunicadores do Nordeste.

Encerrando a mesa, a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da USP e diretora editorial da Revista “Comunicação & Educação”, professora Roseli Fígaro, apresentou a Licenciatura em Educomunicação dessa universidade e as iniciativas que a antecederam, situadas em um contexto de luta social pela defesa da democracia: a oferta de uma especialização em Gestão da Comunicação, a publicação de “Comunicação & Educação” e a criação do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE/USP). Ela mostrou ainda as características do curso e as funções desempenhadas pelo profissional formado, nos âmbitos da docência, da pesquisa e da consultoria.

Paulo Freire

No intervalo entre uma mesa e outra, após uma apresentação cultural de crianças guaranis, os congressistas foram convidados por Paulo Lima, diretor executivo da Viração Educomunicação, e por Ismar Soares, presidente da ABPEducom, a assinar o manifesto do Instituto Paulo Freire contra a ameaça de expurgo do legado do educador. “Não é a primeira vez que suas ideias são ameaçadas. O autor de ‘Pedagogia do oprimido’, obra que, em 2018, completa 50 anos, foi preso e exilado no período da ditadura. Sua resposta ao cerceamento foi um convite ao diálogo e à coragem de lutar; frente à violência, ao silenciamento, a luta pelo direito à liberdade de expressão, ao pensamento crítico”, relata a nota do Instituto.

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