Os educomunicadores do Distrito Federal, reunidos no Clube Kaplún de Educomunicação, acabam de aprovar e socializar um manifesto relativo à tragédia que se abateu no dia 13/03 sobre a Escola Estadual Raul Brasil, da cidade de Suzano (SP).
O Clube, criado em 2018, propõe-se a trabalhar tendo como foco a cultura maker, voltada para a economia criativa, segundo a qual o que se produz de pensamento e de práticas deve ser revertido para a construção de uma sociedade crítica, sadia e sustentável. No caso do massacre em Suzano, o Clube entendeu que não poderia silenciar-se sobre o ocorrido, mas deveria contribuir, de alguma forma, com uma reflexão que fosse para além do triste acontecimento.
“O manifesto é uma tentativa de contribuir com a reflexão sobre esta tragédia, trazer a comunidade para as rodas de conversa e, assim, acharmos juntos as soluções”, diz Joadir Foresti, jornalista e diretor do Clube. Leia na íntegra, em formato PDF ou a seguir, o texto do manifesto, assinado pelos também diretores Cristiane Parente, jornalista; Janete Cardoso, filósofa e pedagoga; e Foresti.
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Estamos preocupados.
Podemos fazer diferente?
A tragédia de Suzano (13/03/2019) deixou o país e o mundo perplexo. Inevitável perguntar onde estamos errando enquanto sociedade, civilização, família, educadores, amigos… cidadãos, afinal.
Quando uma pessoa morre, suas famílias morrem um pouquinho também. Mães, não importando o lado em que estão, sofrem e merecem respeito, privacidade. Merecem o tempo do luto, da compreensão.
Quando tragédias como essa acontecem, é preciso não deixar o jornalismo, o bom senso e a humanidade morrerem junto.
Vimos um festival de erros e abusos cometidos na cobertura jornalística e nos comentários das redes sociais. Mas nenhum furo justifica a perseguição a uma mãe; nenhuma notícia justifica exibir as imagens do horror vivido dentro da escola repetidas vezes ao longo do dia, como se fosse uma recompensa de visibilidade e glamour aos atiradores, quase estimulando outras ações semehantes. Nenhum motivo razoável existe para se ferir o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Desde 2013, a Unesco tem intensificado as orientações quanto a prevenção da violência em ambiente educacional, por meio do documento ‘Alfabetização midiática e informacional’. Em seu prefácio, alerta: “Vivemos em um mundo no qual a qualidade da informação que recebemos tem um papel decisivo na determinação de nossas escolhas e ações, incluindo nossa capacidade de usufruir das liberdades fundamentais e da capacidade de autodeterminação e
desenvolvimento.”
Neste momento, mais do que julgamentos, buscar culpados ou focar nos atiradores, cabe mostrar os bons exemplos, as pessoas que ajudaram a salvar alunos e entender o contexto em que o fato ocorreu. Cabe refletir como nós, sociedade, estamos (ou não) ouvindo e vendo nossas crianças, adolescentes e jovens; se estamos conseguindo garantir seus direitos enquanto seres em formação, se estamos dando opções a elas, se estamos fazendo da escola um espaço de respeito à diversidade e ao diálogo.
Como dizia a coordenadora pedagógica, morta nesta tragédia, nossas melhores armas são os livros. Nossos maiores parceiros são os educadores, a família, os amigos verdadeiros. Não podemos, em nome de qualquer religião ou ideologia, fechar os olhos para a diversidade e para os problemas estruturais da nossa sociedade e deixar de discutir em casa e nas escolas sobre violência, desarmamento, sexualidade, feminismo, gênero, internet segura, ética, alfabetização midiática, entre outros temas que ajudarão nossos alunos em seu percurso formativo, em sua
segurança, em sua autoestima e sua responsabilidade social diante do mundo.
O horror da tragédia e dos comentários em algumas redes sociais enaltecendo os autores do massacre ou “destruindo” suas famílias não podem ser um fato a mais nos noticiários. Essas pessoas, esses jovens precisam ser chamados a conversar, a refletir.
Não podemos dar um “reset” na sociedade e começar de novo. Mas podemos todos os dias fazer a nossa parte enquanto educadores, pais, famílias, jornalistas, profissionais em geral, seres humanos. Buscar resgatar a nossa humanidade que anda perdida entre Fake News, fanatismos religiosos e preconceitos dos mais diversos, pode ser um caminho.
Podemos fazer diferente!
Brasília/DF, 15 de março de 2019.
Clube Kaplún de Educomunicação de Brasília
Cristiane Parente
Jornalista, Professora, Palestrante e Consultora em projetos de Comunicação e Educação e Media Literacy
Janete Cardoso
Filósofa, Pedagoga, Professora universitária, Palestrante, Consultora, Coach de carreira
Joadir Foresti
Jornalista, Professor universitário, Consultor em gestão da comunicação corporativa
Pensar nos bons exemplos…
Tenho refletido sobre isso nestes dias e lembrei das políticas públicas aplicadas pela prefeitura de São Paulo, com o famoso projeto “Nas ondas do rádio”, onde o Professor Dr. Ismar com vários educomunicadores e os próprios estudantes da rede teve resultados com a diminuição da violência.
Procurei alguma legislação no Estado que tivesse a educomunicação como política pública e não encontrei…
Se, por ventura existe precisamos explorar, mas se realmente não existe precisamos como Associação, quem sabe levantar alguma proposta para o Estado?
Acredito que seria muito relevante. Afinal, investir em prevenção, dando voz e vez às crianças, jovens e adolescentes traria ótimos resultados.
Olá, Daniely!
Obrigado pelo contato. No estado de São Paulo, a Educomunicação está prevista como política pública no âmbito de um dos eixos do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos. Clique aqui para acessá-lo. O eixo em questão começa na pág. 43.
Muitíssimo obrigada! Vou me dedicar a estudar mais sobre o assunto, pois é algo que merece ser explorado…