A ABPEducom torna público hoje (15 de setembro) o manifesto assinado pela sua diretoria a respeito do projeto de lei 529/2020, encaminhado pelo governo de São Paulo à Assembleia Legislativa, que estabelece medidas de ajuste fiscal no estado, propondo a extinção de órgãos públicos e ameaçando a autonomia financeira das universidades estaduais e da entidade pública responsável pelo financiamento de pesquisas.
Leia o texto na íntegra a seguir ou baixe o manifesto em PDF:
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MANIFESTO DA ABPEDUCOM SOBRE O PL 529/2020 DA ALESP QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS DE AJUSTE FISCAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
A Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), entidade da sociedade civil sediada em São Paulo (SP) com atuação em todo o território nacional, por meio de sua diretoria, vem a público manifestar preocupação com o teor do Projeto de Lei nº 529/2020, enviado pelo Governador de São Paulo, João Doria, à Assembléia Legislativa do Estado (Alesp), em especial com relação aos pontos específicos apresentados na sequência, aos quais a Associação se opõe.
Com o argumento de estabelecer medidas de ajuste fiscais necessárias devido aos efeitos da pandemia de COVID-19 sobre as receitas públicas, a proposta, tal como foi enviada: (1) extingue órgãos que prestam importante serviço à sociedade paulista, entre eles a SUCEN, com papel essencial na área da saúde; e (2) confisca o superávit de fundos e entidades, incluindo as universidades estaduais e a fundação responsável pelo financiamento da ciência no Estado, de modo a comprometer a sua autonomia financeira.
1) Extinção da SUCEN
Logo no seu artigo 2º, o PL determina a extinção de diversos órgãos, sendo citada em primeiro lugar, no inciso I, a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), autarquia criada em 1970 e ligada à Secretaria da Saúde. Em meio a uma crise global sanitária sem precedentes, é preciso defender o fortalecimento, e não o encerramento, da entidade que é responsável justamente pelo controle das endemias que atingem a população do Estado de São Paulo – entre elas dengue, febre amarela, malária, doença de Chagas, leishmanioses e esquistossomose – e cujos hospedeiros e vetores continuam a circular independentemente da presença do novo coronavírus. Os funcionários do órgão constituem verdadeira memória viva, uma vez que são profissionais capacitados e experientes que desenvolvem atividades de média a alta complexidade no controle de vetores.
Cabe destacar a iniciativa que a SUCEN vem desenvolvendo, com sucesso, na área da Educomunicação: o projeto Educom.Saúde-SP, cuja primeira edição atendeu profissionais de 80 municípios ao longo de 2019 e que se encontra neste ano de 2020 em sua segunda edição, prestando serviços de formação a profissionais vinculados a 100 municípios paulistas. Trata-se da preparação de agentes de saúde para que utilizem a Educomunicação, como uma tecnologia social inovadora, em projetos de mobilização de segmentos e organizações sociais no espaço dos municípios, visando a expansão e o fortalecimento de práticas colaborativas de vigilância e controle de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. O projeto, que continua em plena operação mesmo em meio ao isolamento social, graças às possibilidades oferecidas pela educação a distância, está programado para atender o total dos municípios paulistas até o final de 2022.
2) Ameaça à autonomia financeira de universidades estaduais e da FAPESP
Mais à frente, o artigo 14 do PL prevê a transferência do superávit financeiro das autarquias e fundações para o Tesouro Estadual ao fim de cada exercício anual, o que inclui as universidades públicas mantidas pelo Estado de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Embora o Executivo tenha anunciado a exclusão destas instituições do referido artigo, a inclusão de um novo texto a ser incorporado às Disposições Transitórias do PL continua a ameaçar o superávit de 2019.
Ambas as medidas configuram um ataque à autonomia financeira destas instituições (autonomia responsável, em boa medida, pela excelência que alcançaram os serviços prestados ao longo das últimas décadas). Vale lembrar que os recursos em questão são provenientes de porcentagem do ICMS – receita esta utilizada para todo tipo de pagamentos, inclusive de salários dos servidores aposentados – e, por isso, sujeitas às flutuações econômicas que impactam a arrecadação. Os superávits, na verdade, são usados para bancar fundos de reserva que permitem a execução de investimentos plurianuais.
No que se refere à FAPESP, a ABPEducom une-se aos pesquisadores de todas as áreas das ciências para manifestar aos legisladores do Estado de São Paulo a perplexidade com que os mais renomados cientistas brasileiros receberam a notícia de uma possível fragilização da instituição, colocando em risco a liderança do Estado na produção científica e tecnológica que tanto tem beneficiado o progresso do país. Particularmente, relembra que foi graças ao apoio da FAPESP que se tornou possível a realização do histórico projeto “A inter-relação comunicação e educação no âmbito da cultura latino-americana” (1997-1999), cujo relatório final é considerado o marco zero da Educomunicação no ambiente acadêmico latino-americano e internacional.
Assim, a ABPEducom solicita a posição dos deputados da Alesp quanto às questões apresentadas aqui, em face das duras perdas que serão ocasionadas caso as referidas proposições não sejam revistas. Conclama também a sociedade paulista a se manifestar contra as medidas mencionadas e, permanentemente, em defesa da ciência, da saúde, da vida, da educação e dos Direitos Humanos.
São Paulo (SP), 15 de setembro de 2020.
Diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom)