Crédito: Divulgação do autorOs recentes casos de racismo no futebol e nas redes sociais reforçam a necessidade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Ampliar o escasso conhecimento que temos dessas temáticas significa lançar um novo olhar sobre o negro e sua importância para a formação de nossa identidade. A inclusão desses assuntos nos conteúdos escolares contribui para elevar a autoestima de estudantes negros (pretos e pardos) ao mesmo tempo que torna os outros alunos mais tolerantes à diversidade étnico-racial.
 
A lei 10639/03, que altera a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, é uma conquista que foi construída ao longo dos anos pela luta dos movimentos sociais negros. A legislação nasceu do projeto Nº. 259/99 e foi sancionada em 2003 pelo ex-presidente Lula, que se comprometeu na época com as entidades negras. No entanto, é preciso acrescentar que a iniciativa sofreu dois importantes vetos. O primeiro que determinava que as disciplinas História do Brasil e Educação Artística no ensino médio deveriam dedicar pelo menos dez por cento de seu conteúdo à temática afro-brasileira. O segundo veto estava relacionada aos cursos de formação para educadores, que deveriam contar com a atuação de entidades vinculadas à temática.
 
Após dez anos da promulgação da lei, existe uma grande dificuldade na efetivação do ensino obrigatório da história e cultura africana e afro-brasileira. Na realidade, existe um abismo entre as políticas institucionais instituídas por leis de gabinete e as práticas do cotidiano escolar. A temática africana costuma ser abordada de maneira marginal, descontextualizada e de forma pontual, em referência ao dia 13 de maio ou ao 20 de novembro. Muitas vezes, o conteúdo é indicado apenas no plano de aula, mas não chega a ser devidamente trabalhado com os estudantes, no máximo, o professor solicita uma pesquisa sobre o assunto como atividade extracurricular.
 
Quando elementos da história e cultura africana e afro-brasileira são ignorados por currículos escolares e práticas pedagógicas, reforça-se a ideia de invisibilidade do negro, de maneira que sua ausência se torna natural, dentro daquilo que chamamos de normalidade. Ou pior, quando retratados em livros didáticos, os negros costumam estar associados a aspectos depreciativos, como seres exóticos e animalescos, como na famosa obra de Monteiro Lobato, “As Caçadas de Pedrinho”, em que a Tia Nastácia é tratada de forma ofensiva. Mais do que um nota explicativa, o livro de Monteiro Lobato exige uma formação crítica do professor, que precisa contextualizar o trecho preconceituoso, fazendo as devidas ressalvas.
 
O número de professores capacitados para a temática afrobrasileira ainda não atinge um número significativo no país. Parte disso é fruto da negligência das esferas municipais e estaduais, responsáveis pelo ensino fundamental e médio, que não cumprem a adoção obrigatória do ensino da história e cultura africana. As universidades que oferecem cursos de licenciatura também podem ser responsabilizadas pela falta de educadores especialistas na temática afrodescendente. Em algumas dessas instituições do ensino superior, as disciplinas são optativas e oferecidas na modalidade à distância, o que demonstra pouco interesse em oferecer um conteúdo de qualidade.
 
Algumas entidades do movimento negro lutam pela efetivação da lei 10639/03, tentando cobrar as secretarias de educação em relação ao cumprimento da legislação. Essas ONGs e movimentos sociais fazem parte de conselhos municipais de educação e de políticas de igualdade étnico-racial na tentativa de estabelecer um trabalho conjunto contra o racismo institucional no âmbito escolar.
 
Um dos caminhos defendidos por parte dessas entidades é a abertura de processos judiciais contra órgãos governamentais (MEC, SEPPIR, secretarias de educação, entre outros) que não cumprem a exigência do ensino da história e da cultura africana.
 
Muitas vezes, estudantes filhos de religiosos do candomblé e da umbanda são hostilizados em virtude da fé de seus pais, diante disso, professores e dirigentes escolares não sabem como lidar com essa situação. Ademais, é comum quando um educador ao trabalhar com a temática das religiões de matizes africanas ser acusado de doutrinação ou de incentivar a feitiçaria ou a “macumba”. São questões que os conselhos poderiam intervir para garantir o respeito à diversidade étnico-racial.
 
Acredito que só promovendo uma educação antirracista, que rompa com estereótipos e preconceitos raciais, teremos cidadãos de consciência multiétnica, que enxerguem a beleza além da pele branca, do cabelo liso e do nariz afilado e comecem a valorizar a cultura afro-brasileira. Casos de racismo, como o ocorrido contra o goleiro Aranha durante partida da Copa do Brasil, merecem mais do que o nosso simples repúdio, é chegada a hora de vencer esse ódio racial pela educação.
 
Por Michel Carvalho – educomunicador, Mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP).