Nós, membros da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Educomunicação (ABPEducom), reunidos no VI Encontro Brasileiro de Educomunicação e III EducomSul, que aconteceu entre os dias 10 e 12 de junho, em Porto Alegre (RS), tornamos público nosso repúdio à Proposta de Emenda Constitucional 171/93, em tramitação na Câmara Federal, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, e a qualquer outra proposta neste sentido.
Acreditamos que a restrição de direitos jamais será uma medida eficaz para enfrentar a violência e a criminalidade. Ao contrário, servirá apenas para aprofundar as desigualdades e exclusão social que produzem as condições para que elas se intensifiquem mais. Reduzir a maioridade penal marginaliza aqueles que já estão excluídos do acesso aos direitos e às oportunidades de desenvolvimento adequado.
Exigimos a efetivação do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que neste ano completa 25 anos de existência sem ser plenamente implementado, para assegurar os direitos da infância e da adolescência. Aliás, o ECA já prevê a responsabilização de adolescentes que cometem atos infracionais, a partir dos 12 anos de idade, por meio do sistema de medidas socioeducativas, que levam em conta a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento físico, psíquico e social. Não há, portanto, sustentação para o argumento da impunidade, apresentado por aqueles que defendem a PEC 171/93.
Hoje o Brasil está em consonância com acordos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente das Nações Unidas e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, dos quais o país é signatário. Reduzir a maioridade penal viola esses acordos e as leis brasileiras, como SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Além disso, há várias análises sobre a inconstitucionalidade da PEC 171/1993, uma vez que propõe alteração de uma cláusula pétrea da Constituição.
Ao contrário do que querem nos fazer crer, não há uma tendência mundial em estabelecer a maioridade penal antes dos 18 anos. Mais de 70% dos países membros da ONU estabelecem a maioridade penal em 18 anos ou mais. Países que endureceram as suas penas para crianças e adolescentes não conseguiram reduzir o número de crimes cometidos por eles.
É importante ressaltar também que, do total de crimes registrados no Brasil, apenas 0,5% foram cometidos por adolescentes. O que significa que eles, obviamente, não são os principais responsáveis pela violência no país e que, portanto, reduzir a maioridade penal não nos deixará mais seguros. A questão da violência e da criminalidade, que assusta e inquieta a população brasileira, é complexa e multifatorial e exige respostas igualmente complexas e transversais.
Por outro lado, mais de 35% das mortes de adolescentes são causadas por homicídio, enquanto entre os adultos este índice é de 4,8%. O que evidencia que são eles, especialmente os negros e empobrecidos, as principais vítimas da violência. E esta é a grande tragédia brasileira, neste momento. Deveria ser, portanto, o foco das discussões a respeito do enfrentamento da violência e construção da paz: garantir que nossos adolescentes e jovens permaneçam vivos e se desenvolvam plenamente. Além disso, há 1,65 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola. E entre aqueles que chegam a se matricular no Ensino Médio, somente um pouco mais da metade (50,2%) concluem a etapa até os 19 anos.
Entendemos ainda que a redução da maioridade penal abrirá flancos para consequências desastrosas para as lutas contra a exploração sexual e consumo de drogas lícitas, além do direito a dirigir aos 16 anos já que o Código de Trânsito diz que o motorista tem que ser penalmente imputável.
Há, portanto, uma série de desafios para garantirmos em plenitude os direitos dos adolescentes brasileiros. Reduzir a maioridade penal vai na contramão disso, retrocede nas conquistas sociais e coloca mais uma vez sob os jovens, principalmente os negros e pobres, o peso das desigualdades históricas do nosso país em de vez de efetivar os direitos que já lhes são garantidos na lei.
Para tanto, desejamos que governos e sociedade civil trabalhem no sentido de:
1) Fortalecer os Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais de crianças, adolescentes e de juventude.
2) Fortalecer os Conselhos Tutelares.
3) Garantir que as políticas públicas e os orçamentos cheguem aos municípios “como garante o pacto federativo” e que sejam realmente utilizados para este fim.
4) Fortalecer as redes de proteção compostas pelas organizações e movimentos sociais.
5) Fortalecer o Sistema Socioeducativo.
6) Unificar políticas públicas com recorte educativo (Educomunicação, Educação popular, educação popular em saúde, educação ambiental, cultura popular, educação em direitos humanos, educação indígena, quilombola, do campo etc.).
7) Fortalecer a comunicação pública, comunitária, compartilhada, independente, alternativa, livre.
ABPEducom, 12 de junho de 2015.