Há uma tensão evidente no cotidiano das escolas. De um lado, encontram-se estudantes e jovens professores acostumados com as revoluções tecnológicas e o funcionamento “24/7” (24 horas nos 7 dias da semana) das redes de comunicação. Por outro lado, a escola, num ritmo temporal mais lento: o tempo da reflexão, da maturação dos tópicos que integram as disciplinas e, sobretudo, do espaço necessário à construção do conhecimento.
“Esse é um primeiro conflito: enquanto as pessoas que estão chegando — seja o jovem professor seja o estudante — vivem dentro de um circuito tecnológico de extrema aceleração, o tempo concreto da escola ainda é muito lento. Isso tem impactos na vida cotidiana e ainda não sabemos precisamente como lidar com a nova realidade”.
Essa é análise de Adilson Odair Citelli*, livre docente e professor da ECA-USP, que lança em setembro o livro “Comunicação e Educação: os desafios da aceleração social do tempo”. O livro integra a coleção “Educomunicação”, organizada pela Paulinas .
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“Os dias e anos estão mais curtos”, “as coisas estragam rapidamente”, “é preciso dinamizar a aula para manter o aluno atento”, “fazer cursos de formação permanente se tornou uma necessidade”, “já não aguento mais levar trabalho para casa”. Estes e outros enunciados frequentam diariamente o cotidiano escolar. Afinal, explica Citelli, “quase todos nós estamos imersos em um mundo regido pela aceleração social do tempo”.
“Trata-se de uma circunstância histórica baseada nos processos de intensa mobilidade, rapidez, transitoriedade, efemeridade, na qual e para a qual os meios de comunicação e as tecnologias digitais jogam papel decisivo”, afirma Citelli.
Assista ao vídeo com a entrevista completa sobre o livro “Comunicação e Educação: os desafios da aceleração social do tempo”.
D. Calixto: Como surgiu a ideia de lançar um livro sobre o tema da aceleração social do tempo?
A. Citelli: O livro é produto do grupo que eu coordeno na ECA-USP. Desde 2015, desenvolvemos pesquisas sobre questões relacionadas ao tempo. Ou seja, como o tempo repercute e influencia o cotidiano das pessoas, tendo em vista as circunstâncias particulares em que vivemos: um tempo marcado pelas tecnologias da informação e da comunicação, pela internet, Facebook e assim por diante. Essa dinâmica tem trazido mudanças nos comportamentos, na maneira de pensarmos o lugar do sujeito nesse tipo de sociedade em que o tempo acelerado passa a jogar um papel de extrema importância. Nesse sentido, o livro quer refletir o problema da aceleração do tempo acoplando essas questões ao terreno da Educação. O processo de aceleração temporal tem vínculos enormes com a comunicação, logo, tratamos das relações que a comunicação tem com a educação. A nossa pergunta é: como as duas áreas do conhecimento se inter-relacionam? Como, por exemplo, a sala de aula, os discentes e os professores vivem essa nova circunstância? O livro investiga e faz uma reflexão sobre esses elementos. Cada autor se ocupou de um aspecto vinculado à Educação e aos reflexos do tempo acelerado nesses universo particular, ou seja, o tempo na vida dos professores, o tempo no cotidiano dos alunos, o tempo da pesquisa, o tempo na própria organização funcional das escolas. São vários — digamos assim — microtemas dentro do âmbito da educação — seja ela formal ou não-formal — que estão ligados a esse tema maior: o tempo acelerado.
D. Calixto: Quais são as implicações de um tempo acelerado no cotidiano escolar?
A. Citelli: Há uma jovem geração de professores. Considerando a última década, tivemos uma mudança muito importante no perfil etário dos docentes da rede, sobretudo de ensino fundamental e médio — onde se concentra em grande parte o interesse do nosso grupo de pesquisa, ainda que no livro também tratamos do ensino superior. Isso significa que há um enorme número de professores cuja idade coincide com a expansão dos sistemas de comunicação e, portanto, com o que classificamos de aceleração social do tempo. É claro que a vida interna da escola, com as salas de aula e os processos didáticos, nem sempre estão equacionados a essa mudança no perfil etário dos docentes. Por exemplo, o fato do professor mais jovem ir para uma sala de aula e geralmente encontrar estruturas e também práticas de uma época ainda anterior aos tempos de aceleração social. Esse é um primeiro conflito que existe: enquanto as pessoas que estão chegando, seja o jovem professor seja o estudante, estão vivendo dentro de um circuito tecnológico de extrema aceleração, o tempo concreto da escola ainda é muito lento. Isso tem impactos na vida cotidiana? Há contradições que surgem entre o ritmo da aula e o tempo do aluno? Essas indagações indicam o nosso problema de investigação no livro. Evidentemente que há uma tensão, pois é na escola que os jovens permanecem por quatro horas. A aula tem, em média, 55 minutos. Há um ritmo para a exposição da matéria que nem sempre coincide com o ritmo do aluno — que, no geral, está muito mais acelerado, pois o negócio dos discentes é o Facebook, o on-line, o up to date e também o up to minute. Ora, cria-se uma tensão aí. Essa tesão tem os seus problemas internos, causando contradições. O problema interno mais visível está no fato que a escola exige um tempo mais lento: o tempo da reflexão, da maturação daqueles tópicos do programa, os exercícios que o professor vai solicitar. O tempo de maturidade reflexiva. Esse tempo não combina direito com o up to date, ou seja, o “vamos fazer tudo aceleradamente”. Imagino, e o livro revela isso, que essa tensão está colocada dentro da escola e ainda não sabemos como lidar ela.
D. Calixto: O senhor tem uma trajetória consolidada nos estudos sobre Comunicação e Educação. Como surgiu o interesse específico pela aceleração social do tempo?
A. Citelli: O interesse derivou das pesquisas que venho desenvolvendo nas escolas. Comecei a trabalhar com o assunto no começo dos anos 1990. Portanto, peguei o nascedouro da aceleração tecnológica e, consequentemente, da aceleração social. No decorrer desses mais de 20 anos, verifiquei que, cada vez mais, a aceleração tecnológica impactava o mundo da escola, trazendo consequências aos estudantes e aos docentes. Há resultantes da dinâmica acelerada no mundo dos professores, que passam a viver uma série de problemas que decorre da aceleração, inclusive do ponto de vista de doenças, estresse e cansaço. Atualmente, há uma demanda gigantesca e nem sempre os docentes conseguem dar conta de tudo. Os alunos, por sua vez, chegam com muitas informações, com determinados conteúdos delineados. Nesse sentido, ao longo do tempo, fui examinando esse percurso, entrevistando alunos e professores, e me dei conta que poderíamos recuperar o conceito da aceleração social, pois ele diz muito sobre o estado atual dos sistemas de ensino, sobre o problema da escola viver tensionada, por um lado, por sua necessidade de ter mais lentidão e espaço para reflexão e, por outro lado, por ser pressionada pelo circuito tecnológico, que gera impaciência e um certo desconforto. As pessoas vão perdendo a capacidade de ouvir, de ter a paciência necessária para absorver um conteúdo, trabalhar determinadas ideias e assim por diante. Reconhecer o fato que nós vivemos nessa tensão é que tem me levou, nesses últimos anos, a trabalhar com o tema da aceleração social do tempo.
*Adilson Odair Citeli possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1973). Na mesma instituição realizou o mestrado (1982) e o doutorado (1990), ambos na área de Literatura Brasileira. Em 1995 fez a livre docência na ECA/USP, com tese na inter-relação Comunicação e Educação. Escreveu, entre outros livros, Linguagem e persuasão (Ática, 1994), Comunicação e educação: a linguagem em movimento (SENAC, 2000); Palavras, meios de comunicação e educação (Cortez, 2006).