Diante da necessidade de pensar em soluções para o distanciamento social causado pela pandemia de Covid-19, o projeto de extensão “Educomunicação e Cultura Guarani”, realizado pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) em aldeias do Paraná, está utilizando ferramentas da tecnologia da informação para manter o engajamento dos integrantes. Além da presença nas mídias sociais, o Educom Guarani disponibiliza os frutos do projeto em um portal, reunindo os materiais produzidos pela equipe desde 2018 e incentivando a criação de novos conteúdos.
Formado por educomunicadores(as) indígenas e não indígenas, o Educom Guarani está presente nas tekohas – termo de origem guarani, que significa aldeia – Añetete, Itamarã e Ocoy, no oeste paranaense. Iniciado como um trabalho de formação de professores das escolas estaduais indígenas, com foco em aspectos gramaticais da língua guarani, o projeto se consolidou como prática educomunicativa ao começar a registrar as aulas e cerimônias religiosas.
Elaborado de maneira conjunta entre docentes e discentes da Unila, lideranças guarani e professores de escolas indígenas, o trabalho utiliza ferramentas e tecnologias da comunicação para proporcionar trocas pedagógicas com o uso da língua guarani, além de incentivar o protagonismo das comunidades em suas narrativas. Partindo da promoção de produções audiovisuais baseadas no trabalho coletivo e no uso dos meios de comunicação por parte da população indígena, as atividades educomunicativas são guiadas por uma proposta pedagógica decolonial – perspectiva que busca dar visibilidade a saberes historicamente marginalizados ao longo do processo de colonização.
O site e as mídias sociais, construídos a partir da demanda dos integrantes indígenas, são ferramentas para divulgar e valorizar a diversidade da cultura, dos saberes e da língua guarani, além de serem meios de combater preconceitos e estereótipos. Em outubro, o projeto realizou o I Encontro Educom Guarani, promovendo uma série de lives, disponíveis no canal do YouTube, que debateram a resistência indígena, o uso de tecnologias pelos povos originários e o ensino à distância no contexto da pandemia.
Guarani na universidade
Integrante do projeto, o educomunicador indígena Mário Ramão Villalva Filho, associado da ABPEducom, atua pelo intercâmbio linguístico-cultural entre as comunidades guarani e o ambiente acadêmico. Villalva, que também é professor de Língua e Cultura Guarani na Unila e doutor em desenvolvimento rural sustentável, incentiva o acesso das comunidades indígenas a uma formação teórica e técnica, aprendendo a utilizar recursos radiofônicos, fotográficos e audiovisuais para documentar e divulgar seus modos de vida.
Segundo o especialista, a Educomunicação desempenha um papel decolonial ao “valorizar as várias culturas, não somente o que está nas universidades, mas também os saberes que estão nas comunidades originárias”. Unindo teoria e prática, Villalva entregou, em agosto deste ano, a tese de doutorado “Educomunicação, Língua-cultura Guarani, Sustentabilidade e Teko Porã: Myasãimbo’e, Avañe’ẽ Ayvu-arandu, Ñeñangareko Ha Bom Viver”. O próprio título do trabalho – escrito em português e guarani – simboliza esse encontro, que exigiu a criação de pontes linguísticas. “Criei o termo Mbyasãimbo’e para representar ‘Educomunicação’ em guarani, já que Mbyasãi significa ‘espalhar’ e Mbo’E é ‘ensino-aprendizagem’”, explica Villalva.
Ao expor o “mito da sustentabilidade”, a tese carrega uma visão crítica a respeito de indústrias que, mesmo desempenhando atividades de alto impacto ambiental, se apropriam e se beneficiam do conceito de sustentabilidade. Defendendo que os povos originários têm muito a ensinar sobre práticas ecológicas, Villalva escreveu que “ao abordar temas com respeito às culturas originárias dos povos indígenas, também estamos dizendo para a sociedade que ainda é possível outro relacionamento com o meio ambiente, um relacionamento de respeito para com quem está fazendo possível nossa própria vida”.
Villalva tomou parte, como mediador, do projeto Educom.rádio, na rede municipal de São Paulo, entre 2001 e 2004. Participou, igualmente, do Educomrádio.Centro-Oeste, projeto do Ministério da Educação desenvolvido pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/USP) junto a 80 escolas de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, tendo acompanhado a formação educomunicativa de um grupo de jovens guaranis das aldeias de Amambai (MS).
Foto: Divulgação / Portal Educom Guarani