Texto: Bruno Ferreira | Fotos: Mauricio Silva
Carteiras dispostas em círculos numa sala vazia, mas bastante atrativa, aguardavam a presença de gente que a preencheu com ideias, afetos e lanches a manhã de sábado, 07 de julho, a última de um processo formativo de sete intensas semanas, em que a Educomunicação esteve em discussão para 25 participantes do curso Educomunicação: princípios, práticas e gestão, oferecido pela ABPEducom no Colégio Dante Alighieri, desde 19 de maio de 2018.
O último encontro foi de colheita. Do literal ao simbólico, a turma pôde percorrer espaços do Colégio Dante Alighieri, do museu de história natural ao telhado verde, uma horta de mais de 450m² que fica no topo de um dos edifícios da instituição. Na ocasião, recebeu de presente terra, adubo e mudas de manjericão. O delicado mimo da equipe do Colégio serviu também como inspiração e metáfora para o momento final do curso: semear para colher bons frutos, sendo estes partilhados pelos participantes em forma de projetos educomunicativos, que expressaram as ideias dos participantes sobre como aplicar, em diferentes contextos, o conceito estudado ao longo de quase dois meses.
Projetos desenvolvidos e apresentados
Os participantes do curso apresentaram sete projetos de Educomunicação, que receberam comentários da equipe docente, presente no último dia, bem como dos demais colegas que, ao final das apresentações, celebraram o desfecho do ciclo de aprendizado. No âmbito escolar, houve três propostas:
O projeto Educação socioemocional: “se me conhecesse saberia que…”, de autoria de Bianca Pagano Vitica Venturi, Larissa Costa Lins Pires, Luara Spinola, Luciana Chagas e Mariana Ciscato Baltrunas Prado de Mello propõe colocar em discussão, entre estudantes e professores, questões socioemocionais que se manifestam na escola, mas que nem sempre encontram acolhida nesse espaço. Dessa forma, a ideia é que, por meio de produções de rádio e vídeo, estudantes abordem questões que poderão fortalecer e ajudar outros estudantes, que enfrentam, intimamente, problemas em lidar com suas emoções.
A I Semana de Cidadania Digital: só nos resta aprender, idealizada por Valdenice Minatel Melo de Cerqueira, Celise Correia e Verônica Martins Cannatá, docentes do Colégio Dante Alighieri, tem como intuito ampliar o diálogo na escola sobre as relações na web, à postura segura, ética e cidadã, além de ser uma ação para problematizar a disseminação do discurso de ódio nas redes sociais. O projeto Construção de um jornal infantil, de Cleide Gama e Marcia Maria, tem como objetivo incentivar que crianças desenvolvam competências relacionadas ao letramento a partir da elaboração de uma mídia escolar.
No âmbito da saúde, o projeto Inovação na vigilância e controle do Aedes Aegypti por meio de práticas educomunicativas, de autoria de Aislan Ferretti, Denise Mota, Irma Neves e Keynayanna Kesia, propõe que a Educomunicação seja o conceito orientador das atividades dos agentes de prevenção à dengue, chicungunha e zyka que atuam em municípios do Estado de São Paulo.
Houve ainda três projetos, voltados ao empoderamento de três diferentes públicos: pessoas em situação de rua, jovens negras e juventudes rurais. O projeto Voz da Rua, de autoria de Ana Luísa D’Maschio, Gut Simon e Simone Carvalho, tem como objetivo fomentar um processo de resgate de histórias de pessoas em situação de rua por meio da Educomunicação. “Nosso desafio é resgatar, por meio da Educomunicação, a dignidade, o protagonismo e a cidadania da população em situação de rua, ouvir o que eles têm a nos contar e a nos dizer por meio de oficinas de audiovisual”, explica Ana Luísa.
O projeto Afrovaloriza: empoderando mulheres pela comunicação, de autoria de Aline Nogueira, Daniely Duarte, Ingrid Passos e Matheus Passaro, propõe a criação de um ambiente de diálogo e troca entre jovens negras da periferia para discutir feminismo negro, representatividade, soridade e empoderamento, desenvolvendo atividades reflexivas por meio de práticas educomunicativas.
O publicitário Bruno Santiago Alface aproveitou sua participação no curso para detalhar o projeto Jovens em ComunicAção, para a organização APA-TO – Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins, que consiste em sensibilizar e aproximar juventudes rurais do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, de suas identidades culturais, histórias e juvenis. O projeto, em vigor desde 2016, consiste na realização de um processo formativo de sete módulos, em que práticas comunicativas são exercitadas pelos participantes: desde comunicação oral e escrita até edição de vídeos e contato com outras mídias.
Avaliação do curso
Bruno, após o curso, sente-se apropriado para atuar profissionalmente como educomunicador. “O curso está se mostrando um divisor de águas em minha vida no aspecto profissional. Além de nos proporcionar um crescimento humano, pois se conecta com temas e conteúdos relacionados à defesa dos direitos humanos, o curso da ABPEducom nos prepara tecnicamente para atuar como educomunicadores de maneira bastante prática e alinhada com as necessidades de seus participantes. Os aprendizados, as técnicas compartilhadas, os referenciais teóricos e as amizades semeadas agora fazem parte da minha ação cotidiana como educomunicador”.
Para Maria Rehder, docente do módulo sobre gestão da Educomunicação e vice-presidenta da ABPEducom, há dois indicadores que permitem afirmar que o curso superou as expectavas: “O afetivo, pois nunca vi um grupo que se conheceu tão recentemente estar tão unido, produzindo de forma tão coletiva e participativa diferentes formas de conhecimento. E o educomunicativo, pois todos os projetos de conclusão evidenciaram a elevada absorção dos conceitos e práticas aplicadas ao longo do curso, com propostas de educomunicação realmente aplicáveis”.
Maurício Silva, docente dos dois primeiros módulos do curso, destaca o desafio em ministrar um processo formativo de sete semanas acerca de um campo tão complexo como é o da Educomunicação. Para ele, a meta de apresentar a Educomunicação como abordagem para diferentes contextos de atuação foi cumprida: “Voltar no encontro de apresentação dos projetos me deu a chance de perceber que todos conseguiram encontrar elementos da Educomunicação que fizessem sentido em suas práticas como educadores, profissionais, pesquisadores. Também foi possível perceber a diversidade de locais, projetos e ações em que a Educomunicação pode ser observada. Assim, sinto que ao mesmo tempo que pude contribuir para que mais pessoas entendam da Educomunicação, aprendi com as visões e experiências que os cursistas trouxeram”, avalia Mauricio.
Para Verônica Cannatá, coordenadora-assistente de tecnologia educacional do Colégio Dante Alighieri, e participante do curso, a realização da formação nas dependências do colégio foi positiva: “Foi muito bom receber a ABPEducom e o grupo do curso. O colégio tem uma ótima infraestrutura, mas além disso é um colégio de portas abertas, que está disponível para o diálogo. O curso foi de altíssimo nível, mediadores de primeira qualidade. Gostei muito também de todo o referencial teórico que foi compartilhado, além de toda a indicação de muitos projetos, por todo o país e América Latina. Agradeço em nome dos educadores do Dante, que participaram do curso, e que a gente possa levar o conhecimento adquirido para a sala de aula, fazendo que a Educomunicação faça parte do currículo, em muitas áreas do conhecimento”.
A jornalista Ana Luísa D’Maschio, que também participou do curso, entende que a Educomunicação reforçou o compromisso social que, no seu entendimento, também faz parte da atividade jornalística: “Escolhi o jornalismo por seu papel social e pela chance de conhecer (e contar) histórias. Todas as pessoas têm vozes que merecem ser escutadas. O caminho percorrido durante o curso reafirmou a importância de ouvi-las e de incentivá-las a se tornar protagonistas de seus anseios e mudanças”.
Bons frutos, um ano depois
Andressa Luzirão e Ivone Rocha, participantes da primeira edição do curso de Educomunicação, oferecido na Faculdade Cásper Líbero, em agosto e setembro de 2017, darão início, no próximo mês, ao projeto Memórias em rede, em duas escolas da rede municipal de Santos, litoral de São Paulo. O projeto consiste na produção coletiva de um livro-memória digital e interativo sobre Santos, a partir de narrativas de antigos moradores, coletadas por estudantes da rede municipal de ensino. Além do livro, a proposta é que os estudantes participantes construam páginas nas redes sociais do projeto.
Andressa conta que pensava em desenvolver o projeto antes mesmo de participar da primeira edição do curso, no ano passado: “Eu vinha amadurecendo o projeto ainda de forma solitária, como um desejo ou um sonho mesmo de querer voltar a trabalhar com Educomunicação. E quando vocês propuseram a construção de um projeto como produto final, pensamos: e agora, o que propomos?. Então, levei a ideia ao grupo que fiz parte e todas as integrantes abraçaram a ideia e deram importantes contribuições”, explica.
Andressa conta ainda que o projeto Memórias em Rede pretende trabalhar com um mapa afetivo dos territórios da cidade, que revelará histórias de pessoas anônimas e de suas relações com os lugares. Ela explica: “Lugares que tenham algum sentido afetivo para as pessoas, o que significa ou ressignifica o espaço público. Queremos valorizar os territórios e as histórias pessoais de cidadãos comuns sob o protagonismo de jovens na função de repórteres”.
O projeto ainda não possui financiamento, mas já conta com parcerias importantes, como o Museu da Pessoa, de São Paulo, e a Escola Super Geek, de Santos, além do apoio da ABPEducom.
Reforço os vários aspectos da avaliação do curso, recordando, em acréscimo, o momento mágico em que adolescentes do Geraçãocidadã.2016-2028 estiveram com o grupo e socializaram suas experiências educomunicativas, evidenciando as possibilidades e vantagens da criação e gestão de experiências interinstitucionais no campo da Educomunicação.
Prof. Ismar