As histórias em quadrinhos (HQs) podem reproduzir preconceitos incrustados na sociedade, mas novos autores e personagens estão abrindo espaço para mais diversidade. Esta foi uma das conclusões da segunda transmissão do ciclo de lives da ABPEducom, em 26 de maio, sobre “Quadrinhos e Educomunicação”, com o quadrinista João Pinheiro, coautor de “Carolina” (com Sirlene Barbosa), e a educomunicadora Natália Sierpinski, editora do site Minas Nerds. A mediação foi dos pesquisadores e sócios da ABPEducom, Paola Prandini (diretora cultural) e Mauricio Virgulino. Assista à gravação completa no vídeo abaixo.

Sierpinski contou sobre as pesquisas que vem desenvolvendo sobre gênero e quadrinhos desde a graduação. Ela alerta para os estereótipos – principalmente aqueles relacionados às mulheres – que emergem das histórias a partir de escolhas dos autores sobre enquadramento e ritmo da narrativa, por exemplo. Segundo a pesquisadora, as personagens femininas são mais agredidas e têm menor poder simbólico (capacidade de “resolver” a história) do que as masculinas.

Ao longo da live, a educomunicadora também explicou como foi seu trabalho de conclusão de curso, envolvendo alunos de Ensino Médio em uma oficina focada na desconstrução dos quadrinhos. Sierpinski apontou que incentivar os estudantes a desenhar HQs cria uma oportunidade para que se expressem e possam conversar sobre significados de situações que aparecem nas suas próprias histórias. Além disso, esse protagonismo dos alunos no processo criativo seria uma forma educomunicativa de trabalhar com quadrinhos.

Pinheiro, por sua vez, criticou o fato de que problemas sociais ainda aparecem muito pouco nas HQs e que, quando o “mundo nerd” começou a ser questionado sobre isso, a reação inicial foi raivosa e conservadora. Só mais recentemente as vozes de mulheres, pessoas LGBT, pobres e favelados têm sido inseridas nas histórias.

Respondendo a perguntas da plateia, Sierpinski destacou que, nos quadrinhos, o texto escrito e a imagem não são redundantes, sendo preciso compreender ambas as dimensões da linguagem para entender plenamente as histórias. Ela também alertou que os quadrinhos são uma leitura em si e não devem ser entendidos como algo menor ou apenas como mera “escada” para a literatura, no caso das adaptações de obras clássicas.

Também em resposta a um espectador, Pinheiro reforçou que, ao contrário do senso comum, não é preciso ser desenhista para desenhar. Ele propôs repensar o conceito de “desenho”, entendendo-o como uma linguagem visual com sintaxe própria, e investigar em sala de aula como essa linguagem é manipulada de diferentes formas pelas mídias. Nesse sentido, o quadrinista também sugeriu cuidado o uso de ferramentas digitais que automatizam a produção de HQs, por serem muito limitadoras. Pinheiro defende que o foco deveria ser em primeiro entender a linguagem e organizar o pensamento, antes de partir para a técnica.

Indicações

Sierpinski indicou a coletânea “Mulheres e Quadrinhos” (Skript, 2019), organizada por Dani Marinho e Laluña Machado, com 500 páginas de quadrinhos, entrevistas e artigos, e o livro “Estrutura Narrativa nos Quadrinhos” (Peirópolis, 2018), de Barbara Postema, sobre os aspectos pictóricos e verbais-textuais dessa linguagem. Pinheiro recomendou a obra “Sintaxe da Linguagem Visual” (Martins Fontes, 2015), de Donis A. Dondis, sobre as artes correlacionadas na comunicação visual.

O espectador Heron também indicou o acervo digitalizado de “O Tico-Tico”, primeira revista voltada para o público infanto-juvenil no Brasil, disponível no site da Biblioteca Nacional, e a edição em PDF da adaptação em quadrinhos de “O Guarani”, de José de Alencar, publicada em 1937, que pode ser baixada no site do Senado Federal.